sexta-feira, 26 de junho de 2009

03.2 A Construção do Tempo e o Espaço:
O Espaço Narrativo

Como foi anteriormente referido, o Espaço Focal Clássico é composto apenas por um ponto de vista, sendo este um espaço constante, homogéneo e geometricamente definido. A luz é o material que auxilia a compreensão do espaço uma vez que o limita. A partir daí os arquitectos empregavam a perspectiva para a compreensão do espaço em termos de racionalidade, ou seja, para perceber como é que o projecto vai ser alterado, na consequência de tentarem que o espaço construído fosse facilmente compreendido. Para tal é necessário que haja um movimento do receptor, em que este já não está num ponto fixo. A este fenómeno dá-se o nome de espaço narrativo.
As grandes diferenças entre o espaço clássico e o narrativo são que enquanto no espaço clássico a luz é o material que ajuda a compreensão do mesmo, no espaço narrativo, é o tempo que dá matéria arquitectónica e que possibilita a criação de novos espaços.

O Cubismo é a primeira vanguarda que quebra esta perspectiva focal clássica.

·“Cabeça” Litográgica
P. Picasso, 1945

Esta é uma pintura figurativa, que usufrui da perspectiva clássica.

·“Cabeça”
P. Picasso, 1945

Neste quadro Picasso incorpora um novo material, o tempo, pois descompõe a realidade clássica em termos de perspectiva pela fragmentação, para posteriormente propor um espaço novo, utilizando a técnica da colagem.
Assim se resume o cubismo, pois pega em várias perspectivas e cola-as, formando novas formas. O pintor cubista move-se em torno da realidade, pega em algumas partes e cola-as numa tela.
·Malevich

As figuras estão em movimento em 3D, mas agora o movimento já não é uma fragmentação mas sim a narração que existe com os elementos do quadro, ou seja, o tempo/movimento depende da acção narrativa.
·Acorazado Potemkim
Einstein, 1925

Também no cinema se utiliza a fragmentação como na pintura cubista. Também constrói espaços novos que estão por trás do ecrã do cinema, servindo igualmente este espaço para que o cinema seja construído, ou seja, há espaços que não se vêem mas que se compreendem sem lá estar. Através da câmara cria-se um espaço novo, pois cada fotograma está a descompor uma cena de diferentes pontos de vista e em diferentes momentos, no entanto compreende-se a acção narrativa que se passa noutro lugar.

O Espaço Narrativo

O espaço narrativo contém o tempo na nossa visão, que é importante para que se compreenda a arquitectura.

·Villa Savoye
Le Corbusier

A villa Savoye está feita para que haja um percurso dentro dela, para que não só a percebamos depois de nos movimentarmos e a percebermos de vários pontos de vista. Esta villa compreende tanto o espaço focal clássico como o espaço narrativo, pois estes estão sempre juntos, apenas actuam de modos diferentes. Aqui o espaço narrativo está criado não por uma percepção estável mas sim por uma sucessão de sensações que é o que constrói este espaço ao evitar um ponto de vista único e estável, pois tem o propósito de criar uma sensação real já que este não é um espaço virtual nem de projecção mas sim um espaço real onde nos movemos. Para acentuar esta filosofia, Corbusier optou por um percurso em rampa.

O Percurso Arquitectónico

Um percurso transmite a ideia de chegar a algum lado, e este já deve ser previsto na concepção do espaço arquitectónico.

·Acropolis Atenas

O movimento já faz parte do edifício.

Para Le Corbusier, no percurso arquitectónico existe a criação de emoções e é formado por uma sinfonia perceptiva de imagens.
Uma boa arquitectura tem que ser caminhada onde há um percurso de fora para dentro. Este deve estar no controlo do arquitecto para a criação de sucessivas emoções.
O tempo funciona aqui como uma categoria arquitectónica, pois dá a ideia de movimento e o controlo do movimento está na essência do objecto arquitectónico. Um exemplo disso é a arquitectura egípcia em que havia uma sucessão de espaços/emoções/sensações até chegar ao clímax, pois os arqueólogos não sabem o que irão encontrar a seguir. Tem que existir um percurso sequencial segundo uma linha de tempo narrativa para chegar de um espaço a outro.

·Pirâmide Djozer, Sakkara
2778-23 a.C.

É um complexo funerário que tinha uma pirâmide. Este complexo apenas tinha uma única entrada uma vez que também só existe um único acesso ente o espaço dos vivos e o espaço dos mortos. Este está rodeado de edifícios para sobressair e funcionar como referência para as províncias. Este é um projecto repleto de ortogonalidade, com um carácter fechado por uma muralha e a pirâmide situa-se no centro como fim do percurso sequencial. Há uma divisão muito estrita no espaço interior (mundo dos vivos/mortos). Aqui o percurso é feito segundo um eixo de simetria e está condicionado pela arquitectura para que haja a sucessão de emoções criadas a partir do movimento.

·Templo Deir El Bahari, Hatshepsut
2723-2584 a.C.

O elemento principal deste templo é o percurso que é necessário realizar para chegar ao fim da tumba, em que há um eixo de simetria e o eixo do movimento para chegar ao templo. Através da composição horizontal com a composição vertical cria-se a ideia de ascensão para chegar à tumba. É um conjunto fechado e ortogonal, havendo assim uma relação interior/exterior.

·Vers une Architecture
Le Corbusier, 1923

Neste livro, Corbusier tenta compreender a essência formal das construções egípcias estudando as regras físicas das construções, fazendo uma analogia entre uma pirâmide com uma montanha de lixo, pois têm as mesmas regras físicas.

Regras Físicas (para causar emoções):

·Mosteiro La Tourette
Le Corbusier, 1953-60

1. Superfície
A superfície é aquilo que fecha o volume/espaço. É um elemento essencial para a arquitectura.

2. Volume
É a possibilidade de jogar com os cheios e vazios.

3. Planta
Controla todas as regras físicas em termos de fluxos, percursos perceptivos e de como ligar as diferentes funções. É o mais importante para a compreensão.

Assim, a técnica serve de apoio para o controlo da “máquina de habitar”, indo assim essencializar a arquitectura. Os elementos utilizados para o controlo das partes da sua máquina, as formas arquitectónicas, conseguem estabelecer entre eles um diálogo que tem como consequência diferentes sensações.
Existem múltiplas técnicas para controlar o percurso:

· Plano delgado perpendicular à marcha;
· Esfera;
· Semi-esfera aberta para a frente – pára o movimento e cria um espaço que não nos deixa mover para nenhum dos lados;
· Semi-esfera aberta para trás – cria problemas em andar para a frente;
· Corpo ovóide com extremo arredondado para a frente – dá a percepção do nosso movimento ser o mais rápido possível.

Assim, a arquitectura é uma máquina estática em que o elemento que se move é o Homem e é na arquitectura que se controla o seu percurso, em que todos os elementos da “máquina” estão feitos para controlar o movimento através destas regras físicas.




·Ville La Roche – Jeanneret
Le Corbusier, 1923

Le Corbusier trás as ideias cubistas (estética) e práticas para as aplicar nos seus projectos através do uso da geometria. O seu problema não tem a ver com o uso de geometria, no entanto não mistura o eixo de simetria dos elementos compositivos com o eixo de simetria dos percursos, pois o Homem tem olhos e estes podem ver várias coisas e por isso não devem ser tapados pela simetria dos elementos compositivos. Cria assim uma assimetria perceptiva. A entrada deste edifício marca o inicio de um percurso interior e lá acontece uma sucessão de percursos até à chegada a uma sala de exposições (elemento côncavo no interior e convexo no exterior). A ideia principal é fazer uma eleição entre a esquerda e direita num momento preciso, dando a ideia de controlo da arquitectura. Esta eleição é feita devido a um pilar no meio da sala.

·Villa Stein
Le Corbusier, 1927

A villa Stein tem duas fachadas muito diferentes e o seu acesso é sempre feito de carro, ou seja, este é um projecto que já está pensado para ser assim, está pensado para o carro. Aqui estabelece novamente uma percepção diferente do eixo do percurso e do eixo do edifício. Corbusier quer também transparecer a ideia de parede estrita do muro que é perpendicular em relação ao sentido do percurso, bem como da hierarquia entre o acesso pedonal e o acesso de veículos, sendo que a primeira é composta por uma pala criando assim um movimento de percepção remetendo para a ideia de avião. Utiliza ainda formas curvas, convexas e côncavas para fazer parar ou controlar os percursos através de pilares ovóides para que o percurso seja mais rápido orientando assim o percurso arquitectónico.


·Villa Savoye
Le Corbusier, 1928

Aqui estão inseridos os ensinamentos de Corbusier. Nesta villa também os acessos estão pensados para os automóveis que é feito pela fachada de trás. O automóvel aparece como o elemento principal de chegada a casa. Mais uma vez, a simetria compositiva da casa é diferente do acesso para a casa. Corbusier aplica as regras físicas ao colocar um pilar no centro da casa, bem como uma trama como forma de controlar o movimento no interior da casa, pretendendo que no percurso interior se encontre sucessivas emoções. Com o pilar quadrado consegue um diálogo com a curvatura das escadas e com o pavimento em diagonal trás para o interior um espaço narrativo, dinâmico nesse momento, pois quando o pavimento é ortogonal, o objectivo é estar parado. Existe um lugar fechado, como nos templos egípcios, mas neste caso aberto, para voltar o homem para o exterior, funcionando como um marco do interior para o exterior, um marco para a natureza como fim do percurso estrito.






·Kunsthtal, Roterdão
Koolhas, R. 1987-92

No próprio logótipo do edifício já existe a ideia de movimento, é como se fosse uma máquina de habitar. Este é um edifício localizado entre a cidade antiga e o cais de Roterdão, estando assim num ponto de ligação entre a cidade antiga e a nova, sendo esta ligação feita através de uma rampa que quebra o edifício em duas metades. Cada fachada é compreendida de modos diferentes devido às diferentes realidades para qual cada fachada está orientada, pois cada uma está a responder àquilo que se passa na realidade para que estão viradas. Este é um edifício que está dividido em quatro partes por dois eixos de circulação, sendo que um é a rampa e o outro é a estrada onde passam os automóveis, ficando de um lado os espaços mais públicos e do outro os espaços mais privados. Assim, o percurso define o espaço de todo o edifício, havendo assim a ideia da introdução de procura de emoções, pois as rampas são levadas para o exterior criando assim uma ligação maior com o exterior e as árvores artificiais que trazem o jardim para o interior do edifício.

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