quinta-feira, 25 de junho de 2009

02.2 Função e Razão

Procura da razão arquitectónica

Sabemos já que todos os elementos arquitectónicos estão por trás de uma razão lógica, uma razão prévia que condiciona a arquitectura. E isto já acontece desde a procura do arquétipo da cabana primitiva por Semper, em que este procura o elemento que dá resposta a condições prévias, chegando á conclusão que a cabana primitiva tinha por finalidade dar abrigo (proteger o “fogo”), e é por isso que esta tem características precisas - nó e a grinalda (construção da estrutura e cobertura para dar abrigo ao “fogo”). Assim sendo, esta é uma arquitectura baseada no necessário, em que a beleza está baseada na realidade.
Deste modo, tudo deve estar em função do edifício e todos os elementos devem estar ao serviço da função (objectivo). Nada se deve fazer sem uma razão e sem um fim.
·“Essai sur L´Architecture”
Laugier, M. A. 1752

Laugier afirma que tudo deve estar baseado numa razão para que ninguém possa criticar cada elemento arquitectónico, uma vez que eles já estão justificados. Tem que haver uma razão que explica casa um dos elementos da arquitectura.

·Carlo Lodoli (1690-1761)

Está presente uma ideia de hierarquia da função sobre a forma e defende que não deve existir ornamento na arquitectura por ser algo inútil, quer no interior, quer no exterior.

Assim, a arquitectura está baseada no necessário segundo quatro princípios:

1. Toda a sua beleza surge das necessidades do edifício;
2. Todo o supérfluo tem que ser eliminado;
3. Tudo depende da função, por isso temos que abandonar o desejo de adornar;
4. A arquitectura tem que perguntar a cada parte do edifício: Quem é? Para que está feito? Qual é a sua finalidade? Cumpre com a sua função?
“Principi di Architectura Civile”
Milizia, F., 1781

“Não exigimos a aprendizagem das formas, se não a análise das causas.”
“Entretiens sur l’Architecture”

Voilet-le-Duc, E., 1872
Com esta frase, Violet-le-Duc não vai contra as formas, mas sim contra as formas em si mesmo, pois o importante é voltar a trás e analisar as causas/razões prévias e so depois é que surgem as formas.
Nesta altura já se compreendia que havia certas condicionantes (lugar, função) que não havia nas outras artes, ou seja, apenas na arquitectura existe a razão, sendo esta o elemento que diferencia a arquitectura das restantes artes.

·Biblioteca Nacional, Paris
Henry Labrouste, 1845

A biblioteca nacional de paris é composta por formas rigorosas em que o uso dos materiais é completamente racional, pois estão aplicados segundo a função que irão desenvolver. Labrouste utiliza vidro e cristal para a construção das cúpulas (elemento construtivo geométrico) para dar resposta a uma função prévia, e a ornamentação é feita a nível mínimo.

Função e Razão s.XX


·Reichsforschungsgesellschaff
Klein, A.

O objecto dá resposta às condições prévias que posteriormente serão repetidas. Aqui, Klein procura o protótipo segundo várias funções/razões prévias, criando assim uma série de habitações onde procura as dimensões similares de exemplos similares para fazer a análise prática do que já existe com o fim de criar o protótipo da melhor casa, sendo este o elemento racional que estabelece a função do objecto arquitectónico.




·Vers une Architecture
Le Corbusier

Neste livro, Corbusier estuda a habitação em série, sendo que para ele, a casa é uma máquina de morar em que todos os elementos têm uma razão estrita. Aqui, há a ideia de criação de uma máquina para habitar como resposta às condições humanas da época, procurando assim a habitação em altura.
Para Corbusier existem três necessidades básicas humanas que são imprescindíveis para a construção de habitações:

1. O homem precisa de uma superfície horizontal – laje horizontal sobre pilotes.
Ou seja, a arquitectura encontra-se desvinculada do lugar.
2. Toda a função humana precisa de luz para ser realizada.
Assim as fachadas passam a ser fontes de luz em vez de paredes sólidas, pois a arquitectura deve ser uma fonte de luz e não um fechamento. Criam-se então as fachadas e plantas livres.
3. O tabique é um elemento que só delimita superfícies com distintas funções.
Deste modo, as divisões devem estar livres da estrutura, pois casa espaço tem a sua função. O fechamento interno passa a depender da função e não da estrutura.

·Villa Savoye
Le Corbusier, 1928

Esta é uma construção que segue o sistema dominó, em que o objecto arquitectónico está a resolver as questões prévias. A Villa Savoye é o símbolo do funcionalismo do século XX, pois Corbusier atribui à forma a beleza em si mesma, uma vez que para si, a arquitectura é o jogo magnífico das formas primárias. No entanto, este não é um arquitecto funcionalista estrito, uma vez que sugere uma contradição da procura da razão do objecto arquitectónico com a beleza das formas em si mesmas.

Há algumas diferenças entre o funcionalismo e o racionalismo, sendo que no funcionalismo a forma segue a função e no racionalismo a função é uma das principais razões que influencia a arquitectura, embora não seja a única.




·Casa Dominó
Le Corbusier, 1914

A casa dominó, como o nome indica, tem por base o sistema dominó de Corbusier, ou seja, as lajes são horizontais para que o ser humano possa desempenhar as suas necessidades básicas; há uma comunicação livre através do uso das escadas; a planta e as fachadas são livres e a casa é desvinculada do terreno. É chamado “dominó”, uma vez que uma habitação é como se fosse uma célula/peça do dominó que se pode unir a outras células e dá-se assim a possibilidade da realização de diferentes tipos de habitações, criando-se assim múltiplas tipologias habitacionais. Aqui, o edifício é pensado independente do lugar, pois este deve ser capaz de ser implantado em qualquer lugar. Outra característica é a planta livre que permite colocar as paredes internas em qualquer lugar. Ora, com este sistema, existem múltiplas possibilidades de desenho urbano.


·Maison Citrohan, Paris
Le Corbusier, 1920

Aqui, a casa é vista como uma máquina de voar, pois este modelo foi apresentado com um protótipo de um automóvel, uma vez que os poucos elementos da casa foram criados com uma razão prévia. Então, esta casa funciona como um protótipo, em que deve ser construída como um elemento individual. Nesta tipologia de habitação, não existem pilares interiores, ao contrário do sistema dominó. Aqui cria-se um espaço interior vazio, como se rodássemos as lajes horizontais do sistema dominó 90 graus, tornando-as verticais. Algumas das principais características do sistema Citrohan são os traçados reguladores, o uso de geometria muito estrita, as fachadas e plantas livres e ainda as janelas grandes. Este sistema pretende dar resposta às necessidades humanas.

A junção do sistema dominó com o sistema citrohan resulta numa sobreelevação do edifício.


·Cidade Operária Pessac, Bordeaux
Le Corbusier, 1925

Esta cidade operária caracteriza-se pela multiplicação da casa citrohan que formaram um distrito de habitações. Embora diferentes umas das outras, estas partilham da mesma estrutura formal.

·Maison Mas
Le Corbusier, 1938

A Maison Mas é uma casa pré-fabricada, facilitando, deste modo a construção da mesma, que pode ser efectuada no lugar e no entanto não deixa de ter a riqueza espacial tão importante para Corbusier. Neste caso, os elementos são mais fixos, já que não existe tanta possibilidade de os mudar, contudo continua a ter as características do sistema dominó/citrohan (fachada livre).


·Maison Loucheur
Le Corbusier, 1929

Aqui, a única ligação da casa com o envolvente é um muro no qual a casa está fixada, sendo então esta a única vinculação com o terreno. É uma casa com a planta livre em que o rés-do-chão é apenas um quadrado, para dar a noção de desvinculação e foi através deste projecto que Corbusier fez múltiplos estudos das superfícies de cada das funções que tinham de ser desenvolvidas nos espaços.

·Casa para Artesão
Le Corbusier, 1929

No interior desça casa, Corbusier conferiu-lhe uma multiplicação do espaço. Para tal, coloca as escadas de acesso do rés-do-chão para o primeiro andar na diagonal de forma a permitir a expansão do espaço interior, e o primeiro andar tem a altura mínima do modulor. Outra característica importante é o pilote central, que além de ser estrutural é também funcional (esgotos).
Aqui é visível que Le Corbusier não era assim tão funcionalista, uma vez que embora a funcionalidade esteja sempre presente nos seus projectos, existem certos elementos que o contradizem, como o facto de desvincular o objecto arquitectónico do lugar, bem como a sua colocação livre sem qualquer sentido.

O Bloco como Paradigma Moderno

Depois da destruição feita pela Primeira Guerra Mundial, era necessária uma solução rápida, social e económica para a construção de novas habitações, surgindo assim a habitação colectiva, ou seja, o bloco, que viria solucionar estes problemas da época.
Assim, com o Movimento Moderno, começam-se a estudar as possibilidades da habitação colectiva, que consistia na conjugação de várias habitações num só bloco, vindo este a ser o elemento principal do século XX.


·Plain Voisin, Paris
Le Corbusier, 1922

É um estudo da organização de habitações colectivas, procurando aplicar os princípios das necessidades humanas, tentando assim criar condições para que a cidade se possa desenvolver em termos urbanísticos. Os métodos utilizados são a geometria e um sistema de forma a criar da melhor maneira possível novos distritos habitacionais.
Apesar de Le Corbusier não ter conseguido realizar a sua cidade ideal, o seu espírito de criação de novas habitações racionais influenciou projectos futuros de outros arquitectos.

·Immeuble-Villa
Le Corbusier, 1922

Este é um novo bloco criado a partir da agregação de células individuais habitacionais em habitações colectivas. Esta ideia surgiu depois de Corbusier ter estudado a organização de um mosteiro aquando uma das suas viagens a Itália. Posteriormente transpôs alguns conceitos do mosteiro para a arquitectura, reservando o espaço interior para actividades sociais/públicas e o espaço exterior para a agregação de uma única célula no perímetro do espaço interior. Aqui, cada habitação é individual mas estão inseridos juntamente com espaços colectivos como ginásios e bibliotecas, funcionando assim o bloco como uma unidade autónoma, pois a casa é uma máquina de habitar.


·Romerstadt Siedlung, Frankfurt
Erns May, 1926-28

Erns May investiga como se devem agrupar estas novas formas de habitação, sendo Romestadt Siedlung um objecto destes estudos. Assim, ele encontra um primeiro modelo que consiste num sistema de agrupamento colectivo fechado com forma rectangular, no entanto esta tipologia não era a mais adequada devido a problemas de orientação e ventilação. No segundo modelo optou por no mesmo espaço multiplicar o quarteirão em bocados menores com o fim de multiplicar também melhores condições de vida a cada uma das habitações. Este modelo já resolvia os problemas de ventilação e organização tipológica, criando também novas entradas de luz, no entanto não era suficiente. Então, Erns May pensa num terceiro modelo em que converte a forma da fachada inicial em novas formas lineares e consegue assim uma forma social em que todas as pessoas usufruam das mesmas condições de vida, criou então um ambiente mais saudável. Este terceiro modelo é a tipologia do bloco hoje mais conhecida, em que existem entradas de luz natural e são conseguidas melhores condições de vida em todas as habitações. Neste tipo de edifício é necessário desenhar os acessos e estradas em conjunto com o próprio edifício.

·Weissenhof Siedlung, Stugart
Mies, L., 1927

Este foi o projecto de Mies num conjunto de vários edifícios ideais projectados por diferentes arquitectos numa colina com várias quintas. Assim, Mies optou pelo bloco, de volumes cúbicos, janelas corridas, coberturas planas, paredes brancas e elementos puros, sendo estas características uma influência do sistema dominó de Corbusier.
Deste modo, o bloco de Mies divide-se em quatro partes, formada por um elemento que é repetido quatro vezes (no entanto podia-se multiplicar por muitas mais vezes), e está apoiado num terreno ajardinado. Este bloco foi construído como um elemento único e como símbolo de todo o distrito. Tem duas fachadas principais, de igual importância, sendo estas as mais compridas, sendo estas as que têm melhor orientação. Um aspecto importante é a introdução de uma terceira fachada que é a cobertura plana, que é vista não só como abrigo mas como um elemento que também deve ser desenhado. No seu interior, as paredes são muito livres, pois apenas limitam as diferentes funções dos espaços. Deste modo, podemos obter economia na construção, uma vez que a casa pode ser pré-fabricada, bem como nos desenhos podemos já encontrar razões/justificações muito precisas, voltando assim ao racionalismo.

Assim, a procura de habitação em termos de bloco resume-se a:

1. Rigidez formal;
2. Negação do espaço urbano clássico;
3. Diversidade na distribuição.

Século XX, A Ruptura do Bloco


·Projecto Urbano Bijlmer, Amesterdão
OMA, 1986

Este é um projecto um pouco utópico, que consiste na criação de um novo distrito em que a ideia principal é a comunicação entre a cidade e a zona industrial, existindo assim uma relação habitação/espaço público. Aqui, os elementos são colocados como tramas habitacionais que unem dois lugares diferentes e é visível a sua rigidez formal nas fachadas principais e cobertura, contudo, já usufrui de uma geometria que se quebra e onde há sobreposição de estratos e tramas com o fim de criar o distrito e a ideia de ligação entre duas áreas diferentes da cidade.


·Urban Plan, Borneo, Amesterdão
West 8, 1993-97

O Urban Plan em Borneo, consiste numa série de distritos habitacionais virados para o mar, em que foi elaborado um masterplan para definir as condições de irão dar origem às habitações. Um dos elementos principais do estudo foi a densidade numa determinada área e para tal foi estudada a tipologia actual da habitação típica holandesa, e a partir daí criam um novo modelo de habitação colectiva, dando-se assim a ruptura do bloco, pois agora a nova tipologia consiste em casas de três andares com acesso directo para a rua, o que permite dar resposta as necessidades de habitação, uma vez que cria mais espaço urbano. Os espaços públicos são reduzidos ao mínimo e os espaços privados são mais abertos, podendo os espaços do rés-do-chão ser privado ou semi-público.


·Edifício “A Baleia”, Borneo, Amesterdão
De Architekten Cie Fritz van Dongen, 2000

Neste caso, é como se voltássemos à tipologia do quarteirão fechado, no entanto existe uma quebra da linha de cobertura e da linha que divide o chão, para que a luz entre da melhor forma possível nas habitações viradas para o pátio interior. Existe também uma abertura nos acessos para que o espaço interior de baixo seja semi-público, havendo assim uma ruptura do bloco clássico. No interior existem corredores e escadas e as habitações são divididas com múltiplas opções de divisão, obtendo assim diferentes tipologias para a criação de um bloco contínuo mas que no seu interior existe uma enorme riqueza.


·Habitações em Sanchinarro, Madrid
MVRDV, 2003

Neste conjunto de habitações, não se utiliza a tipologia do quarteirão fechado de baixa altura, mas sim em altura. Assim, o edifício funciona como um ícone desta nova forma de cidade com um buraco para que se possa observar a paisagem de Madrid através dele. Aqui, cada habitação tem a sua tipologia e os espaços de comunicação (públicos) são pintados de vermelho. Deste modo, podemos encontrar variadas possibilidades de tipologias num edifício vertical.

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